CONHEÇA
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Conversar sobre o território com Joice Pedra é oportunidade para viajar em memórias afetuosas de infância sobre a região. “Eu brinco com minha mãe que eu fui concebida na Ilha da Convivência em noite de lua cheia”, diz ela, que foi a primeira da família a já nascer em Atafona, distrito que passou a ser habitado exatamente em função dos pescadores que migraram a partir da Ilha. “A Convivência era muito habitada. Havia mais de 300 residências, escola, festas. Minha alegria era chegar o fim de semana para ir à Ilha e encontrar os familiares lá e ouvir as histórias.”
O sobrenome Pedra é um dos mais tradicionais e se mistura à história da região. Seu pai nasceu na Ilha da Convivência. Sua mãe, em São Francisco do Itabapoana. Ao se conhecerem e se apaixonarem ainda muito jovens, levaram um total de 29 dias para se casarem e passarem a morar juntos na Ilha. Os irmãos de Joice nasceram lá, em partos realizados em domicílio por parteiras locais. Tios, primos, avós. Todos moravam na Ilha. Sua avó perdeu quatro casas ali, ao longo das décadas. Sua tia-avó foi a útima mulher a deixar a Ilha. Elas não tiveram opção a não ser sair. Se fosse por opção própria, Joice conta que elas nunca teriam deixado o local que amavam viver.
Mas na década de 70, o grave processo de erosão costeira destruiu o local, como se conhecia. A Ilha da Convivência então mudou de configuração e o trecho que restou dela acabou por se juntar ao continente. “Os moradores eram felizes lá, mesmo diante de toda dificuldade e falta de recursos básicos, como luz e saneamento. A água era de cacimba, de poço. Muitas casas eram de tábuas, o chão era de areia. Mas eles eram felizes, porque você não via maldade ao redor“, analisa Joice.
Joice atualmente é vereadora em São João da Barra. Formada em Biologia com especializações e cursando Engenharia Civil, já trabalhou em empresas públicas e privadas, na gestão social, ambiental e administrativa.
O destaque como liderança feminina na região se dá por seu papel atuante na defesa do meio ambiente, dos direitos das mulheres e das comunidades pesqueiras.
“Penso nos meus pais, tios e nas pessoas que não conseguiram estudar. Que utilizam a pesca como única fonte de renda. O estudo salva. A educação transforma. Porque te dá opção, alternativa, possibilidades de você buscar outros meios de vida.
Em Atafona já perdemos diversas quadras, mais de 500 construções. Estudos apontam que a cada ano a costa perde 6 metros. É uma instabilidade, uma insegurança, que impacta não somente a parte ambiental, mas também a parte social.
São pessoas que viveram ali, têm sua história, sua cultura. E ainda hoje, mesmo com toda dificuldade e sabendo que podem perder suas casas, elas não querem sair, elas resistem.
Imagina você nascer e amar um lugar. Criar seus filhos e suas raízes nele. E ter que sair dali por um fenômeno que é da natureza, mas também que o homem tem grande culpa nele.
O Pontal de Atafona existia um grande manguezal. Hoje o que vemos são construções até mesmo irregulares, em áreas de manguezal que foram aterradas para construção de casas. Talvez por falta de Política Pública na época, mas também entendo como sobrevivência. É a pessoa tentando sobreviver e dar uma melhor qualidade de vida à sua família. E sem identificar outras oportunidades.”, reflete.
“Vemos um rio de tamanha importância, que percorre mais de 1.100 km para chegar até aqui. E que vem sofrendo com os impactos negativos, chegando agora aqui já fraco, devido a tantas intervenções durante seu trajeto. Com muito desvio da água, até mesmo para abastecimento da população, para fonte de energia, hidrelétricas, despejo de afluentes sanitários, esgotos, resíduos industriais.
Com o rio assoreado, há dificuldade na navegabilidade das embarcações, o que prejudica muito a pesca. Não teremos peixe de qualidade, ou até mesmo não terá peixe. Quando se trata de uma cidade que tem sua economia baseada na pesca, podemos dizer que boa parte das pessoas sai daqui para trabalhar ou descarregar seus pescados em outro local.
Com o assoreamento do rio, ele vai perdendo as forças. Com a problemática do aumento do nível dos oceanos, o mar vai ocupando o espaço do rio. O rio acaba recuando e o mar acaba tomando o espaço que antes era do rio.” analisa Joice com detalhes.
“Eu vejo as mulheres cada vez mais fortes. Até pela nossa cultura, que era de casar cedo e ter filhos cedo. Hoje acho que as mulheres têm mais voz e conseguem se enxergar mais. Porque elas podem ser mães, ser mulheres, ser “do lar”, mas elas também podem elas, terem identidade. E não serem, por exemplo, “a mulher do João, a mulher Pedro”. Eu acredito que a educação transforma.
Minha avó e minha bisavó são sinônimos de resistência. Admiro muito a minha mãe, porque ela sempre garantiu que amor e educação nunca faltariam lá em casa. E ela incentivava nossos estudos, porque a vida de pescador é muito sacrificada. Vi meu pai adoecer muito cedo, por ter começado a trabalhar aos 9 anos e não ter tido qualidade de vida adequada pelas condições do trabalho de pescador.
Hoje já é possível ver mulheres de pescadores ajudando no sustento do próprio lar. O que antes era um tabu de que só o homem podia trabalhar fora e a mulher precisava cuidar da casa e dos filhos.
Prova disso é a cooperativa Arte Peixe. Minha mãe foi uma das fundadoras com Dona Jacira, mãe da Fernanda Pires. Éramos vizinhas.
Minha mãe tinha espírito empreendedor. Vendia cosméticos, fazíamos e vendíamos sacolé. Ela queria ter seu próprio dinheiro. Ela me dizia que, a partir do momento que a gente trabalhava, a gente era livre.
Na minha adolescência, eu ficava aqui no porto descascando camarão. Uma atividade muito digna, que é realizada por muitas pessoas. Eu acreditava que eu podia ajudar mais a minha família e a minha comunidade, então não tinha opção. Sempre fui muito sonhadora. Sou mãe de dois meninos, que criei sozinha. Enfrentei muita discriminação. Mas a maternidade aumenta as reponsabilidades e a garra. Só enxergava esse rumo na minha vida e fiz tudo com muito amor e com Deus. Vejo as outras mulheres também podendo construir seus caminhos”, nos conta Joice.
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