ENTREVISTAS:
8 MULHERES DE ATAFONA

CONHEÇA

ODINEIA PEREIRA

por Ana Luiza Cassalta

Odineia Pereira participa do projeto Mulheres de Areia, Memórias de Atafona
Odineia Pereira / Foto: Flavio Veloso

Transformando Atafona através da liderança empreendedora

Ao iniciar as pesquisas sobre mulheres de Atafona, uma história chamou muita atenção: uma mulher havia liderado posto de gasolina, frigorífico, dentre outros negócios. Em uma época e um contexto em que era raro haver lideranças femininas. E a maior parte dos seus negócios fisicamente havia sido levada pelo mar.

Odinéia Pereira, de 80 anos, relembra sua história e sua relação de afeto com o território de Atafona:

“Vou começar do começo. Eu dava aula em Convivência. Durante uns 3 anos. Eu ia no que antigamente a gente chamava de Batelão, hoje em dia acho que é barco mesmo. Eu botava vela e ia com o remo, pra dar aula. Quando eu voltava, o rio tinha que estar bom. Nos dias em que o vento Norteste estava muito forte, eu saía de uma ponta e ia para ali na Igreja de Nossa Senhora da Penha.

Nessa época, meu pai começou a negociar, comprar peixes e mandar entregar pelo trem. Quando dava 7h, o trem saía, ia pro mercado do Rio de Janeiro, na Praça XV. Eu fiquei com pena do meu pai estar sozinho, parei de dar aulas e comecei a ajudá-lo nas negociações. Compramos um caminhão para cuidar da logística da entrega dos peixes. Nessa época, conheci meu marido e eles dois se tornaram sócios. Sempre trabalhei com eles e, quando meu marido morreu, eu assumi a liderança. Vendi boa parte dos negócios, porque fiquei doente. E essa vida, lidando com o mundo da pesca, é muito difícil. 
Estou na lida até hoje, tenho um barco grande e sigo negociando”. 

Rompendo barreiras

Na minha liderança, nunca teve mulher como eu. Eu herdei isso da minha mãe, que era uma mulher fora de série. Minha irmã Cristina também. O negócio meu é a Pesca, mas já tive Posto de Gasolina, Frigorífico, Fazenda.

Se eu tive dificudade por ser mulher ali no meio deles? Não. Ali eu estava com eles. Se é homem, eu também sou homem. É a mesma coisa nos negócios. Se tivesse que discutir, eu discutia. Se tivesse que ‘dar na cara’, eu dava também. Eu sei que sou mulher, não aguento, mas eu não levo desaforo pra casa não. Nunca levei. Mas ali continuei. Todo mundo gosta de mim. E, até hoje, todo mundo tem respeito por mim. 

Era muito trabalho físico nessa época também. Lá no Farol, vinham os cestos de camarão, com 100 quilos cada um. Eram dois cestos. Eu pegava no meio,  um pescador pegava em cada ponta. E a gente subia. Tenho marcas aqui, de tanta força que eu fazia. De jogar boia no mar bravo para puxar o pescado com força. Era uma época de muito sacrifício. Hoje em dia, com a tecnologia, o barco vem e puxa com um trator. 

A fartura era grande nessa época também. Era muito camarão. Peixe era pouco, porque não tinha barco pra rede. Camarão vinha, eu vendia.

Havia desperdício por parte de alguns frigoríficos que, quando não vendiam, jogavam fora à beira do rio lá do Farol. Eu nunca joguei fora. Se estavam bons para comer, eu mandava lá de caminhão entregar na favela Mangueira em Campos dos Goytacazes. As pessoas vinham com baldes, bacias e levavam todo o camarão. Nunca joguei fora, isso eu não levo pra Deus.

Recomeçar e reinvestir

“As memórias que tenho da Ilha da Convivência, da época em que dava aula lá, é que a ilha era enorme, muito grande mesmo.

A invasão do mar veio aos poucos. Em um ano ele veio e destruiu casas. Depois ele veio e destruiu mais um pouco. Foi sempresa assim, de ano a ano. Mas não é todo ano. Ele também tem o mês dele para destruir, que é a tal da maré grande. Ele fica alto e vai destruindo tudo e tomando lugar. Como é até hoje. Há mais de 50 anos. 

O Pontal era enorme! Você ‘andava a dizer chega’, para chegar lá. As minhas coisas estão todas no meio do mar. O Frigorífico, o Posto, tudo.. você anda lá pro fundo do mar, está lá longe. Foram embora… a minha casa, a casa dos meus pais, as dos meus irmãos, tudo foi embora. E eu estou aqui, vim de lá, parei aqui e já estou construindo, já me preparando, porque quem sabe, um dia, só Deus. Como o mar vem comendo assim as coisas, a gente tem medo. Mas só não saio daqui, só vou embora se ele chegar aqui também. 

Meu primeiro negócio a ser levado pelo mar foi o Posto. Foi muito triste, ainda me lembro de tudo que ele levou. O mar veio, estava cheio de óleo Diesel ainda. E foi boiando, foi embora. A gente não podia tirar. Como ele foi cavacando, ele foi tirando. Aì foi embora para dentro do mar. O mar carregou. Depois veio de novo e pegou o frigorífico. Depois pegou minha casa, as casas em que minha família morava. A gente reconstruiou tudo. Até frigorífico eu reconstruí, agora fica ali perto do Pontal, perto dos meus amigos.”

Possibilidades de futuro

“Se fizesse um Quebra-mar, como fizeram em Marataízes, em Piúma, eu acredito que seria possível resolver parte do problema. Porque nesses lugares também é mar aberto e eles também sofriam com o impacto do mar.

Hoje em dia tem muita gente aqui que perdeu casas, perdeu tudo. E que hoje depende totalmente do dinheiro que recebe do aluguel social. Mas não é possível ficar dependente de aluguel social a vida toda, precisa ter alternativa e eles perderam tudinho. 

Quando começou a destruição e o posto foi embora, eu já acreditava que o mar continuaria. E foi assim, a cada ano, ele levava um pedaço de Atafona. E todo ano ele continua levando um novo pedaço. 

Por isso eu tenho medo. Aqui no fim da rua, tem uma casa que está no meio do mar. O dono a está protegendo com muitas pedras no seu entorno. Mas o mar se adapta e contorna. Ano passado o mar não estava ali. Estava bem distante, quase 2 metros fora da casa. Este ano ja está bem pertinho.

Acho que eu morro e não vejo esta minha casa acabar. Mas eu sei que um dia o mar chega aqui também e ele vai pegar tudinho. A Igreja de Nossa Senhora da Penha fica aqui no final da rua. Dizem que ele só vai parar quando chegar ali. Por que ele faz isso? Eu não sei… eu não sei porque o mar faz isso.”

Projeto de Pesquisa e Preservação de Memória - Lei Paulo Gustavo - Edital Diversidades em Diálogo RJ 2023

Idealização: Ana Luiza Cassalta e Flávio Veloso

      REALIZAÇÃO:

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