CONHEÇA
Camila Hissa
por Ana Luiza Cassalta

CONHEÇA
Dez entre dez pessoas que visitam Atafona sabem que o lugar mais famoso para se fazer uma deliciosa refeição é o Restaurante do Ricardinho. À beira do rio Paraíba do Sul, apreciando a vista e a gastronomia saborosa, o que boa parte dos turistas não sabe é que esta é a quinta unidade do restaurante. Outras quatro estão abaixo do mar, vitimizadas pelo agressivo processo de erosão costeira que atinge o distrito. “É um vínculo muito forte. Difícil de ser explicado para quem não é daqui. Meus pais persistiram muito. Nunca pensamos em sair de Atafona”, diz Camila Hissa, filha dos fundadores e atual responsável pelo estabelecimento, junto a seu marido e chef de gastronomia, Lucas Miranda.
O Restaurante do Ricardinho iniciu operação em 1978, em uma peixaria criada por sua família. Os amigos de seu pai compravam os peixes e sua mãe os fritava para servir aos clientes.
“Meu pai era muito boêmio, então os amigos ficavam ali conversando e consumindo. Eles perceberam que havia uma demanda e resolveram começar a investir mais no negócio”, conta Camila. Sua mãe primeiro contratou uma ajudante. Depois, com o aumento dos clientes, seus pais construíram um bar. Este se ampliou para o formato de restaurante, tal qual existe hoje.
O feijão amigo ficou famoso, trazendo turistas de outras regiões. A receita do bolinho de aipim, que a avó de Camila criou, faz sucesso até hoje também. Localizado próxima à Igreja de Nossa Senhora da Penha, vizinho à Casa do Artesão São Joanense, à fábrica de sorvete N.Silva, de São João da Barra, e à Cooperativa Arte Peixe, o restaurante atrai alto volume de clientes que buscam boa refeição e linda paisagem.
“O primeiro era no antigo Pontal, aquele que você consegue ver nas fotos, onde tinha o posto de gasolina, onde tinha a cooperativa de pescadores. Lá foi o primeiro Restaurante do Ricardinho.
Depois disso o mar avançou, aí meus pais se mudaram, foram para o segundo.
Do segundo para o terceiro durou só uma semana! Teve uma ressaca, eles tiveram que se mudar novamente. E aí no 3o ficaram um período.
Depois disso o mar avançou novamente e eles foram pro quarto, que ficav atrás do antigo Prédio do Julinho, ali perto da casa de Dona Soninha Ferreira. E ali eles ficaram um bom tempo. E eles não esperaram o mar chegar. Quando o mar tava ali beirando, eles resolveram sair e vieram pra cá. Então são cinco locais de restaurantes”, detalha Camila Hissa.
O negócio liderado por Camila Hissa é um dos que potencializa a o turismo sustentável na região, desejo e necessidade estratégica por parte da população e do poder público. Para que Atafona seja visitada por suas riquezas culturais e naturais, não somente pelo que se chama de “turismo de catástrofe”.
Até os anos 1980, Atafona era o principal balneário para as famílias de Campos dos Goytacazes, com amplo e contínuo fluxo de turistas esporádicos, mas principalmente os de relação fiel com o território.
Desde o início do processo erosivo, que já destruiu 14 quarteirões, e os impactos econômicos nas finanças das famílias campistas, Atafona viu seu volume de visitantes reduzir. Mas, conforme vem aumentando o investimento em um calendário cultural e religioso, além de parcerias com universidades e distritos vizinhos, também cresce o interesse de visitantes antigos e novo. E todos têm o restaurante como destino recomendado por sua qualidade e tradição.
Conforme fomos conversando sobre a relação de afeto das mulheres com o território, Camila Hissa fez uma análise de como esse caso é particular:
“Atafona é uma metamorfose. Ela está sempre mudando, mudando. E as pessoas daqui também, elas são assim. Tudo aqui é diferente, tem um misticismo próprio. Lembro da Ilha da Convivência, lembro do cheiro. O Pontal eram ruas, todas de areia, e aquelas casinhas, estilo palafitas, de madeira. Tinham animais, cavalo, cachorro. Não era cheiro nem bom, nem ruim. Era um cheiro muito específico. E depois não existia mais.
A gente já é acostumado com isso, com viver em constante mudança. A gente é acostumado a ir à praia hoje. E amanhã, quando for lá novamente, já não é mais a mesma praia. E isso já é um sentimento, já é uma coisa nossa. A gente acostumou, vive isso há décadas.
Não sei se ainda vai haver algum movimento definitivo para a erosão costeira. É um problema para todo o mundo, que chegou muito cedo para Atafona, a gente já sofre com isso há 50 anos. Mas hoje, aonde você vai, o mar está erodindo, está avançando por causa do aquecimento global, isso daí é um fato. A questão é como você reage a isso. E nós estamos há 50 anos sem reagir a nada. Nós nunca reagimos, nunca foi feito um quebra-mar, um engordamento, nunca foi feito nada efetivamente.
A gente não quer sair daqui. A gente quer permanecer. A gente quer uma solução que nos dê mais tempo pra viver em Atafona. A gente não quer que ela suma. A gente se adapta rápido. Hoje não dá mais pra gente viver aqui. eu vou morar ali. Mas sempre aqui em Atafona.”
“Foi primordial mulheres como a minha mãe, que nunca desistiram, que nunca pensaram: ‘aqui não tem espaço’. Se elas viam que não tinha lugar ali, iam para outro lugar. Se moviam. Tenho duas tias que são figuras fortes de resiliência. E destaco também as senhoras que ainda contam as histórias da Ilha de Convivência, da Ilha do Peçanha, do Pontal, são mulheres que eram pescadoras e que continuaram. São resiliência pura.
Minha grande inspiração sempre foi minha mãe. Uma mulher que é forte, nunca desistiu. Se tem que fazer, vamos fazer e está feito. Aquele ensinamento de nunca deixar de ser o que você é ou de fazer o que você tenha vontade de fazer. Se eu quero fazer uma coisa, se eu me proponho a fazer, eu vou lá e faço. O melhor conselho é nunca se anular”, conclui Camila.
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