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“Existe um provérbio africano que fala que pessoas simples, em cidades pequenas, fazendo pequenas coisas podem dar um grande resultado”. Esta fala de Izabel Gregório representa muito do pensamento da fundadora da Editora Gregório, que atua na sua região editando livros de autores que sonham publicar seus escritos em forma de livro físico.
Desde criança, ela sabia que queria ser escritora, mas entendeu que precisaria percorrer outros caminhos até se aposentar e, então, realizar seu sonho de infância.
Hoje Gerente de Literatura da Secretaria de Cultura de São João da Barra, Izabel já realizou o sonho de diversos moradores de Atafona e São João da Barra que também sonhavam ter suas histórias, poesias e poemas eternizados em um livro impresso em papel. “Muitas vezes a gente pensa no global, a gente pensa que as coisas têm que ser muito grandes. Que é lá fora, que é longe de você que as coisas vão acontecer. E não. Tem que ser aqui. Tem que ser no nosso território, fazendo o que você pode fazer”, analisa a escritora.
Izabel se formou como professora de Matemática e Ciências, lecionando em escolas públicas e particulares até se aposentar. E, desde jovem, percebeu sua forte ligação com a Educação Ambiental. Ela entrou nesse universo através do convite de uma pessoa que se tornou referência na região. Maria de Lourdes de Anunciação Coelho deu nome ao Espaço da Ciência de São João da Barra. Um polo regional de divulgação científica e pesquisa, coordenado pela Prefeitura local, com apoio de professores da UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense) e da Fundação Cecierj e no qual, por questões de destino, Izabel Gregório foi trabalhar como coordenadora por quatro anos.
Foi Lurdinha quem foi à casa de Izabel e a convidou para entrar na área ambiental. “Isso norteou muito da minha vida, enquanto professora. Ela fez muito pela classe pesqueira, pelos caiçaras de Atafona. Ela lutou por todos ligados à pesca e deixou muitas sementes.
Em seu trabalho com Educação Ambiental, Izabel conta que era comum perceber certo desinteresse pela forma como o tema era abordado em aulas e palestras. Para ser mais efetiva na transmissão do conhecimento e engajar o público, ela criou a personagem Dudinha MouSou, uma ambientalista de 11 anos.
E, através da linguagem próxima desta adolescente, passou a levar seus livros e reflexões a escolas de Atafona, São João da Barra e Campos dos Goytacazes. As atitudes descuidadas da jovem, como jogar papel de bala no vaso sanitário, trazem transtornos para a comunidade. E, através de histórias assim, ela reflete sobre como tudo que é coletivo passa necessariamente por uma ação individual.
Os livros são instrumentos que Izabel domina para mudar realidades de quem lê e de quem escreve. “Estou editando o segundo livro da Dona Jurema Rosa. Ela publicou pela primeira vez com 88 anos. Imagina o que é isso? Aos 88 anos, a pessoa abrir sua pastinha com os poemas que guardou por décadas. Minha editora joga o tapete vermelho para os sonhos passarem.”
Também integrante das 8 protagonistas do projeto Mulheres de Areia, Memórias de Atafona, Carmélia Barreto é outra moradora de Atafona que teve seu livro “A Ilha da Convivência e seu povoado” publicado pela Editora Gregório. Foram quase 2 anos de processo. E resultaram em um livro delicado de memórias de quem viveu com a família em uma região que não existe mais daquela forma.
A criação da Cooperativa Arte Peixe foi em 2006. Realizada por um grupo de mulheres que se reuniu, a partir do projeto Produzir, do Governo Federal junto com a Secretaria de Pesca. Em 2007, elas fizeram cursos com a perspectiva de que aprenderiam a produzir produtos para vender localmente. “Na época, ninguém entendia o que de fato era uma cooperativa. As necessidades de certificação, registros, selos, toda a operação que envolvia. Mas com o tempo, o conhecimento foi sendo transmitido e a profissionalização ocorreu”, analisa Fernanda, que coordena todas as iniciativas da Cooperativa hoje.
Fernanda tem uma visão ampla e estratégica da Pesca Sustentável. Para ela, a região subutiliza seu potencial ao somente focar na pesca, limpeza e venda. “A gente pode integrar toda a cadeia da pesca, com o artesanato, a gastronomia, a cultura. Precisamos fortalecer isso com políticas públicas. Imagina a criação de um Festival de Pescado, de Gastronomia em Atafona, em São João da Barra? Na Cooperativa, já transformamos o pescado em Hambúrguer, Linguiça, Quibe, uma série de variedades de produtos que agradam ao público, têm valor agregado e promovem novos empregos na região. O dinheiro passa a ser gasto aqui mesmo, fazendo a economia girar”, avalia Fernanda Pires.
A veia empreendedora naturalmente moldada em Fernanda, através de sua mãe, evoluiu ao longo das décadas com muitos cursos profissionalizantes e estratégicos. Incluindo o Empretec Delas, programa intensivo do Sebrae que acelera a mentalidade empreendedora.
Ela entende que essa mudança de perspectiva e mentalidade pode ser estimulada na população feminina da região. Facilitando a criação de novos negócios baseados na cadeia produtiva da pesca. Além da carne, o peixe pode fornecer, por exemplo, couro para artesanato, escamas para ecojóias, óleo para produção de farinha. Um aproveitamento quase integral de toda a cadeia do pescado, reduzindo o desperdício e aumentando a lucratividade.
“Eu vejo em Atafona uma comunidade onde as mulheres são muito trabalhadeiras. Um grupo de pessoas muito raçudas. Elas não se dobram. A coisa acontece e elas superam. Não vivem pelo problema, mas por buscar uma solução, com uma alegria que é delas, é nata”, analisa.
Izabel lembra com carinho de Dona Belita, que perdeu 5 casas, e persistia em morar na Ilha da Convivência. Ela recebia a então professora sempre para um café. “Era muito humilde, lembro que a 6ª casa era de pé no chão. Ela me ensinava sobre a vida com aquela humildade. Não tinha lamúria. Dizia que estava tudo bem, que se fosse para construir outra casa, que ela iria construir. Entendi que os problemas faziam parte da vida.”
As idas de Izabel à Ilha da Convivência eram frequentes no período em que ela fez parte do projeto A Barca da Ciência. Durante 5 anos, 3 vezes na semana, Izabel trabalhava na Ilha com iniciativas como a de levar grupos para aprender educação ambiental de forma prática, recolhendo e separando o lixo da Ilha.
Quando eu lhe perguntei sobre quem era sua maior referência, a resposta foi precisa: “Minha avó Mulatinha. Ela sempre dava um jeito nas coisas. Toda a nossa família girou muito em torno dela. Era aquela matriarca, doceira aqui de São João da Barra. Trabalhava no tacho. E ela não sabia disso, mas nos educava de uma forma ambientalmente correta. Ela fazia o doce e com aquela raspa que ficava no tacho nos ensinava a fazer mariola embalada em molde das caixinhas de fósforo vazias. Então nos ensinava a empreendedoras, a reciclar a caixinha, a não deixar estragar o restinho do doce. Eu hoje, enquanto adulta, olho para trás e vejo o quanto a minha avó me educou. Como ela trouxe coisas importantes que fazem a adulta que sou hoje. Então eu digo que ela é a dama da minha tradição. O que eu sou hoje eu devo à minha avó. Claro, abaixo de Deus.”
Ao olhar para o passado, Izabel resgate o processo de movimentação da Ilha da Convivência que acompanhou desde criança. “A Ilha era muito distante de onde a gente vivia. Tinha uma Barra, com o encontro do rio com o mar, com uma correnteza muito grande. A gente passava por um mangue, por uma pontezinha. Tudo isso que a gente passou, tudo isso que a gente viveu, nada disso está mais no lugar. Tudo isso já foi”.
As mudanças não foram só por conta da erosão marinha, mas também pela depredação, por interferência humana. “Acredito que seja até mesmo por uma questão natural, de mobilidade do território. A gente vê que esse território periférico, essa faixa de areia tem uma movimentação, uma mobilidade. Levando em consideração da infância até a minha fase adulta, é uma mudança imensa”.
Izabel conta em detalhes da sua relação afetiva com essas memórias, para além da perspectiva geográfica: “Meu pai era mascate, vendia algumas coisas. Ele colocava itens no carro e ia na roça, em lugares distantes. Vendia bagre salgado, que comprava no Pontal, principalmente na invernada. Enquanto ele negociava, eu ficava ali olhando. Eu devia ter 10, 12 anos. E me lembro daquela imensidão. Meus olhos de criança olhavam e eu pensava: Nossa, como é distante chegar ao mar. E hoje eu vejo que o mar dentro das casas. Não existe mais faixa de areia. Não existe mais nada disso que existiu naquele meu tempo”.
Na comunidade há muitas teorias. “Sempre ouvimos os mais velhos contando que o mar antigamente ia até a Igreja da Penha. E que o mar está pegando de volta aquilo que é dele. Ele teria recuado e está de volta avançando”, conta ela sobre a tradição oral em Atafona. Complementando sobre seu processo científico: “Nos meus estudos, vejo isso como o avanço do nível do mar. Algo que não é exclusivo de Atafona. Acontece em todo litoral brasileiro e no mundo. Eu entendo como consequência natural das intempéries que o próprio homem vem fazendo. Consequência das mudanças climáticas que já sabemos que existe”.
Ao olhar para o futuro da questão ambiental, Izabel tende a ser realista: “Quando penso se é possível fazer alguma ação definitiva para conter o mar, entendo que a água vai arrumar outro jeito de ter vazante. Se você colocar uma barreira aqui no Pontal, essa água vai para outro lugar. De alguma forma ela vai interferir em algum outro ecossistema, em outro lugar. Creio em medidas paliativas. Mas não acredito em algo efetivo para a vida toda”.
Izabel fala muito em não passar a vida como uma página em branco. A criar oportunidades para fazer suas ações aqui na Terra serem eternizadas. Quando eu a abordei no início de 2024 para as entrevistas do projeto, Izabel se surpreendeu e me disse: “Mas eu não sou de Atafona”. Não se tratava exatamente de onde ela nasceu ou de onde ela mora. Todas as ações que ela vem fazendo em prol da comunidade, da educação, do meio ambiente, da literatura fazem ela ser de grande influência para as mulheres de Atafona e as gerações de seus filhos e netos.
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